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Casas de apostas e jogos de azar

Recentemente eu tenho percebido uma onda de casas de apostas fazendo propagandas em locais que normalmente não deveriam fazer esse tipo de propaganda pelo público que assiste o conteúdo. Nos poucos canais esportivos que acompanho vejo a responsabilidade de quem está fazendo a publicidade destacar que o dinheiro dos jogos e das apostas não devem ser a segunda renda e que as pessoas que optarem por brincar, gaste apenas aquilo que pode perder, que esses jogos não são para fazer poupança ou ganhar aposentadoria.

Apesar do discurso responsável, casas de apostas funcionam para nos enganar usando um discurso de que assistir determinado evento (jogo de futebol, luta ou competição) fica mais divertido quando você aposta. Isso é muito semelhante com outros jogos de azar, que também proporcionam algo parecido, como, nos bingos, maquininhas, jogo do bicho e até mesmo nos joguinhos de celular.

Quem ganha normalmente?

Para entender quem ganha, precisamos entender primeiro como os jogos de azar funcionam. O principal mecanismo dos jogos de azar é nos dar a falsa impressão de controle do resultado. É normal as pessoas se perguntarem “será que não existe uma fórmula para ganhar na Mega-Sena?” e criarem fórmulas do “número do azar”, dos “números mais sorteados”, dos “números que foram mais vistos por elas no ano” e outras estratégias que nos passam algum tipo de coerência, mesmo que essa coerência não faça sentido pela forma como o jogo funciona.

Pensando em uma casa de aposta em jogo de futebol, essa percepção de controle fica maior, pois quem aposta acha que tem o conhecimento suficiente para entender como vai ser o resultado e ainda faz combinações com outras possibilidades, exemplo, apostar no gol do João no campeonato brasileiro e no cartão amarelo para o Pedro no campeonato alemão. Não importa o jogo, todos funcionam para dar a sensação de que a gente tem controle sobre adivinhar o possível resultado.

Nas casas de apostas ou nos jogos de azar o resultado não depende de fatores que podem ser controlados. Os números da Mega-Sena são colocados de maneira aleatória e mexidos de uma forma que não tem como prever qual bolinha vai cair. O jogo de futebol ou qualquer esporte vai depender de outros fatores que podem interferir no desempenho dos atletas E não tem como prever com exatidão o que vai acontecer na partida, porque não basta, normalmente, apenas colocar o placar da partida, pois, acaba acontecendo uma estimulação para apostar em combinações para ganhar mais dinheiro.

Agora, falando sobre os ganhos, destacando os jogos irregulares. Vou pegar o exemplo dos Estados Unidos em que os jogos são regularizados. Acredito que todos nós já vimos algum episódio de uma série ou um filme em que foi mostrado Las Vegas, que parece ser uma cidade chamativa e sempre é destacado os jogos. As casas de aposta regulamentadas precisam devolver em premiações 80 cents por cada 1 dólar apostado. Em locais não regularizados, o valor não passa de 20 cents. Exceto a Mega-Sena, você acha que algum dos jogos de azar no Brasil tem o compromisso de registrar o dinheiro que entra e o dinheiro que é devolvido para os apostadores?

Acho que isso responde à pergunta inicial de quem ganha com jogos: será sempre a casa de aposta. Então quando a gente vê essa falsa ilusão de controle somado com uma falta de regularização que garanta o retorno para a população que aposta, entendemos por que temos propagandas em locais inimagináveis sobre fazer apostas, porque propaganda é cara e o pessoal tem dinheiro para pagar para ser divulgado.

 

Se ninguém ganha, por que apostamos?

No começo do texto eu falei sobre jornalistas que falam sobre a responsabilidade de apostar, de apostar o valor que pode ser perdido. Apesar do discurso responsável, temos vários mecanismos que funcionam ao mesmo tempo para enganar a pessoa que está postando e um deles é a vitória. Por que será que é tão divulgado quando alguém ganha alguma coisa em um sorteio? Por que existe uma vasta gama de prêmios mesmo para quem tem um resultado menor? Se as pessoas não ganhassem, elas iriam parar de jogar, logo, oferecer prêmios e ganhar esporadicamente mantém a pessoa jogando.

Por isso, vemos cada vez mais premiações dentro de um mesmo concurso. Pensando em um jogo mais simples do dia a dia, é comum as pessoas venderem rifas. Imagina que em 5 anos comprando rifas uma pessoa nunca tenha ganho. Caso a pessoa não queira ajudar em uma rifa solidária, provavelmente ela será muito aversa a participar da rifa ou de qualquer outro jogo, mas, se essa pessoa tiver pelo menos uma vitória, a chance de ela comprar rifas aumenta.

A ilusão de controle somada com ganhos esporádicos faz com que as pessoas mantenham apostas em jogos de azar e sair desse processo sozinha apenas com conscientização pode não ser possível. Por isso é importante procurar psicoterapia quando perceber que algo está acontecendo e se tornando um sofrimento ao invés de uma diversão.

Quando pedir ou oferecer ajuda?

Existem alguns sinais de alerta que precisamos estar atentos em nós e nas pessoas próximas a nós, e isso vale não exclusivamente para jogos. Basicamente, quando um determinado comportamento sair do comum ou esse comportamento não estiver contextualizado, pode ser um ótimo ponto de atenção.

Pensando em jogos de azar, é muito comum entre os mais velhos o jogo do bicho, em que as pessoas jogam uma sequência de quatro números e essa sequência precisa vir inteira para ganhar, com alguns chegando a apostar apenas nas centenas que podem vir. Não é comum a todo momento as pessoas verem placas de carro e começar a imaginar o jogo, de ver determinado animal e entender que isso é um sinal de que deveria jogar o mais breve possível para ganhar o jogo ou o mais comum é sonhar com alguma coisa e já imaginar jogando o mais breve possível no animal em que sonhou. Isso é extremamente descontextualizado, que é aquela tentativa de encontrar uma lógica para algo que acontece independentemente das ações da pessoa que está apostando.

Outro sinal bem comum é a negação de que as apostas estão em excesso, ou quando você ou outra pessoa omitem os reais valores que estão sendo gastos com apostas. Muitas vezes o valor apostado é uma tentativa de recuperar o valor que já foi perdido e nesse ponto entra todo aquele mecanismo de falso controle, com pensamentos de “estou próximo de ganhar”, “não é possível que não venha dessa vez depois de tudo que apostei” ou pensamentos similares a esse.

Jogar pode causar uma ansiedade que é divertida, entretanto, quando começa a colocar a pessoa que está jogando em risco ou mesmo outras pessoas a sua volta em algum tipo de risco (risco financeiro ou perigos físicos) e sofrimento (xingamentos ou privações), quando houver diminuição no repertório de atividades ou hiperfoco voltado apenas para o jogo, ou quando começar a ter omissões e mentiras sobre o que está fazendo e quanto está gastando talvez seja interessante procurar ajuda profissional adequada para lidar com a situação.

Tratamento em psicoterapia sobre vício em jogos

Vou resumir em linhas gerais como funciona o tratamento em vício em jogos. A primeira coisa que uma pessoa vai encontrar ao trazer tema é um ambiente não julgador, pois, conforme descrito no texto o vício em jogos tem toda uma estrutura para que ele permaneça na vida das pessoas, tratando-se de uma questão também ambiental e não apenas individual.

Recentemente alguns jogadores do campeonato inglês foram suspensos por um ano após fazerem apostas (o que é proibido para jogadores por motivos óbvios de conflitos). Esses jogadores eram peças chaves em seus clubes e peças importantes em suas seleções nacionais. Eles falaram abertamente sobre o vício em apostas e como isso consumiu as suas vidas. Esses jogadores mostraram e geraram um debate sobre como as apostas afetam várias esferas da vida de uma pessoa e como pode acontecer com qualquer pessoa, por isso que além do não julgamento sobre a ação de apostar, dentro da psicoterapia a pessoa que estiver em tratamento receberá uma atenção acolhedora.

Por fim, faz parte do tratamento a criação de estratégias para lidar diretamente com o jogo. Talvez você já tenha visto ou ouvido falar de pessoas que trocam um vício pelo outro e precisamos tomar cuidado para que essa ação não aconteça porque pode trazer risco de iatrogenia. Escreverei um texto em breve sobre o assunto, mas, resumindo para essa questão, durante a psicoterapia ao tratar o vício em jogos a pessoa em tratamento pode começar a ter um comportamento em uma outra área da sua vida quem pode ser julgada como benéfica (começar a frequentar determinados locais, fazer atividades físicas específicas, ter um determinado comportamento desejável pelas pessoas a sua volta, e etc.). Isso é um perigo porque pode haver um exagero que afeta a vida da pessoa de maneira direta, com ela dedicando mais tempo a determinadas atividades que podem gerar sofrimento parecido com o do vício em jogos, entretanto, sendo reforçado pelo ambiente como uma atividade adequada.
Finalizo esse texto mostrando que a psicoterapia quando trata vício em jogos tenta trazer flexibilidade e lidar com as questões de maneira profunda, sem gerar julgamento com a pessoa que está passando pelo tratamento e promovendo o acolhimento da pessoa que está em sofrimento. Todo o tratamento será adaptado para a realidade e as demandas da pessoa que está sendo atendida, com estratégias adaptadas conforme as preferências da pessoa que está sendo atendido, usando o melhor método disponível e empiricamente sustentado, pilares referentes à prática baseada em evidências em psicologia. Então não tem um passo a passo de como tratar, pois quando a gente pensa em uma “fórmula”, podemos cair na iatrogenia e instalar um comportamento exagerado para substituir o vício em jogos.