Sentir raiva é bom ou ruim?
Tenho certeza que você já sentiu raiva em algum momento da vida. Lembre-se da última vez que você sentiu raiva por alguma coisa. Lembrou? Agora vamos fazer um caminho para buscar uma resposta se sentir raiva é bom ou ruim.
Como eu escrevi no texto sobre emoções e sentimentos, tudo o que a gente sente não é bom ou ruim, porque bom e ruim é um julgamento que fazemos com base no contexto em que estamos inseridos e depende de outros fatores para essa avaliação. Ao invés de chamar de bom ou ruim, que tal usarmos agradável ou desagradável? Então, vamos deixar mais uma coisa clara: precisamos sentir coisas para lidar com as situações que ocorrem com a gente e ter a parte agradável é importante, assim como sentir incômodo também é, não relacionado com ser bom ou ruim.
Com a lembrança da última vez que você sentiu raiva, provavelmente estava passando por alguma situação que pode ter ocorrido uma injustiça. Depois comente se eu acertei. E não, não sou adivinho ou uma espécie de vidente. Como eu expliquei, sentir emoções e sentimentos são importantes e possuem suas funções, por isso é importante experienciar o que a gente está sentindo, mesmo que seja algo desagradável.
As emoções e sentimentos não acontecem de maneira isolada
Dentro da psicoterapia, para conseguir trabalhar de uma maneira mais assertiva, precisamos nomear e identificar o que a pessoa está sentindo, entretanto, em uma situação real, a gente não sente apenas uma coisa, podendo ser medido a intensidade das outras emoções e sentimentos quando comparado com a emoção inicial. Eu sei que está começando a ficar difícil, mas vamos construir isso com o passar do tempo nos textos que serão publicados.
O ponto principal deste tópico é você saber que tudo o que a gente sente é muito dinâmico, que envolvem outras sensações, que envolve também comportamentos que podem perpetuar estado de sofrimento ou estratégias que busquem uma espécie de alívio imediato do que a gente está sentindo de incômodo, que podem ser prejudiciais a longo prazo. Por isso, é importante dentro da psicoterapia identificar inicialmente o que a gente sente de maneira isolada, nomeando e depois agindo para entrar em contato com o que foi sentido para buscar uma possível solução para o que está acontecendo na vida da pessoa.
Se eu não quero sentir raiva, logo vou sentir tranquilidade?
É comum as pessoas chegarem na psicoterapia e falarem que não querem sentir alguma coisa, principalmente quando se trata de raiva. Isso pode estar relacionado com crenças e valores desenvolvidos pela pessoa que está sendo atendida.
Uma das maneiras para começar a lidar com o que sentimos entra na validação, entendendo que o que a gente sente tem um motivo e uma função. Quando a gente fala de validação, precisamos inicialmente identificar com clareza o que está sendo sentido, porque é muito comum as pessoas fazerem a descrição errada do que sentem e nomear de maneira incorreta, além de confundirem com questões relacionadas a outros quadros de saúde, como confundir fadiga com ansiedade, confundir longa jornada de trabalho que gera estresse com depressão.
Agora vem a parte chata: lidar com a situação vai gerar em você novas emoções e sentimentos, podendo ainda não ter um desfecho que se deseja.
Então por que eu vou lidar com a raiva se ela pode não ser resolvida?
Vamos pegar um exemplo prático: supondo que uma pessoa esteja na fila para receber uma promoção em sua empresa, onde recebe frequentemente feedbacks positivos e sempre é prometido que será promovida, desde que mantenha o ritmo de trabalho que tem atualmente. Tudo é seguido por essa pessoa e quando surge a oportunidade ela não recebe a promoção e contratam uma pessoa externa. A pessoa que teve a promoção negada vai sentir alguma coisa? É válido ela poder sentir seja lá o que for que ela está sentindo? Ela tem o direito de expressar da maneira como ela quiser o que ela está sentindo?
Vamos ao exemplo catastrófico: essa pessoa sentiu raiva, foi até os gerentes expressar o que estava sentindo e quebrou todo o local de trabalho. Isso vai resolver alguma coisa? Provavelmente vai causar algum tipo de prejuízo para ela. Curiosamente, em situações parecidas algumas pessoas orientam a não sentir raiva e buscam achar explicações do tipo “algo melhor está por vir” ou “isso pode ter sido um sinal que livrou você de algo”, o que são falas extremamente invalidantes.
Pensando em uma solução mais próxima do esperado: essa pessoa chamaria os responsáveis pela promessa de promoção, falaria como está se sentindo e cobraria de maneira direta o que foi prometido. Muitas vezes não temos essa opção de fazer algum tipo de cobrança, por isso não existe uma regra de como lidar com a situação. Fazer uma cobrança para pessoas de cargos mais acima pode gerar uma gama de consequências, por isso precisamos ter atenção para não ficar imaginando os vários desfechos que podem ser possíveis, gerando expectativas positivas ou negativas sobre o que lidar com a situação pode trazer.
Em psicoterapia a gente trabalharia para lidar com a raiva, mas não para parar de sentir e sim para dar um desfecho para ela. Esse desfecho é algo que a gente não consegue prever, mas que é importante trabalhar para lidar com ele conforme as necessidades que aparecem em seguida.
Resumindo: sentir raiva é importante!
Espero que você não tenha ficado com raiva de ler o meu texto sobre raiva. Geralmente está relacionado a sentimentos de injustiça, sendo importante para lidar com uma situação de maneira direta. Isso não é autorização para tomar uma ação drástica ou fazer o que quiser para expressar a raiva. Seria como uma criança que teve um doce negado ficar com raiva e quebrar os copos da cozinha.
Caso a gente não sentisse raiva, não faríamos nada diante de determinadas injustiças que aconteceram ao longo da nossa história. Por isso a raiva é uma emoção tão poderosa e importante, que algumas plataformas de redes sociais tentam nos induzir a sentir para causar reações de engajamento em determinadas páginas. Ao invés de engolir a raiva ou guardar para si, expresse-a de maneira resolutiva dando a chance de quem cometeu alguma injustiça (isso é válido em apenas alguns casos, como os pais que negaram um doce para uma criança) também consiga explicar e oferecer uma solução alternativa para a situação.