O imaginário sobre a psicoterapia
Durante um período da minha carreira eu trabalhei em um local em que mais de 50% das pessoas que passavam comigo nunca haviam feito psicoterapia na sua vida. A média de idade dessas pessoas era em torno dos 30 anos de idade e normalmente não tiveram contato com a psicoterapia por falta de oportunidade ou limitações financeiras. No meu modo de atuar eu costumo sempre pedir feedback para alinhar as expectativas dos atendimentos e pontuar em que estágio a psicoterapia está com aquela pessoa. As frases que eu mais ouço são: “não imaginava que a psicoterapia fosse assim”, “pensei que só ficaria falando e você não faria nada” e “não imaginava que teria alta”. São frases curiosas que podem mostrar que o pessoal da Psicologia não tem divulgado de maneira eficiente como a psicoterapia funciona ou mostra que quem está divulgando está fazendo de maneira inadequada. Nesse texto eu quero conversar sobre o que a literatura traz sobre como funciona a psicoterapia.
Nesse primeiro momento eu vou limitar o texto a falar sobre o processo da psicoterapia, mas convido você a olhar os outros textos do blog que falam sobre o tema. Então vamos começar destacando o fato de a psicoterapia ter objetivos. Sim, psicoterapia tem um objetivo! Isso entra na frase que destaquei que eu ouço com mais frequência, “não imaginava que a psicoterapia fosse assim”. Mesmo aquelas pessoas que já fizeram psicoterapia no passado dizem que não sabia como a pessoa terapeuta atuava (aqui me refiro a abordagens terapêuticas), que a sessão ficava solta e por vezes não sabia para onde estava indo. A sessão de psicoterapia é estruturada para lidar com as necessidades que a pessoa que está sendo atendida necessita trabalhar, pois psicoterapia é um serviço especializado de atendimento em saúde.
A psicoterapia tem objetivos a serem alcançados
Por ser um serviço especializado para algo específico, e aqui a gente pode colocar também outros objetivos a serem alcançados, mas sempre vai estar claro o que está sendo trabalhado, por vezes a gente vai lidar com questões que são incômodas, que vão gerar determinadas mudanças na vida da pessoa que está sendo atendida. Temos no imaginário uma visão de psicoterapia em que a pessoa vai ficar falando e será acolhida e sairá bem do consultório. Eu costumo falar para as pessoas que psicoterapia não é para você se sentir bem, é para você se sentir melhor. Tentando simplificar essa frase, algumas coisas que são trabalhadas em psicoterapia podem gerar consequências que inicialmente não eram desejadas ou esperadas, como começar a lidar com o trabalho e no meio do processo de psicoterapia descobrir que você quer fazer outras coisas em sua vida. Isso é só um dos exemplos dentro das várias possibilidades.
Uma demanda comum em consultórios é o autoconhecimento, porém, ter autoconhecimento implica por vezes gerar mudanças em sua vida que pode gerar alterações em dinâmicas de pessoas que estão dentro do nosso convívio. A pessoa pode ter um insight que mantém uma relação desigual com algum ambiente ou com alguma pessoa específica e isso gerar rompimentos ou criação de novas conexões. Isso entra na segunda frase, “pensei que só ficaria falando e você não faria nada”. O trabalho em psicoterapia é ativo, mesmo em terapias que por popularmente são tidas como mais introvertidas ou que geram mais reflexões.
A psicoterapia pode ter um início, um meio e um fim
E para finalizar, psicoterapia tem um final. Claro que isso vai depender da demanda do caso, da sua complexidade ou do diagnóstico que está sendo tratado na psicoterapia. Em essência, a psicoterapia trabalha com instrumentalizar as pessoas a lidarem com os problemas do seu dia a dia. Uma sessão de terapia pode ter entre 30 e 90 minutos por semana, então não faz sentido focar todo o trabalho nesse curto período ou dentro desse espaço reservado, pois, assim que terminar a consulta, a pessoa volta ao mundo real e tem que lidar com as questões que estão acontecendo em sua volta. Psicoterapia é um processo em que a pessoa trabalha para quando estiver fora do setting terapêutico ela consiga ter uma vida que vale a pena ser vivida, que entre em contato com as coisas que são valorosas para ela e consiga lidar de maneira autônoma com as questões que aparecem em sua vida.
Psicoterapia nem sempre é para toda a vida, ela pode ser incômoda por gerar mudanças significativas na vida das pessoas, mas o seu objetivo final apesar de tudo isso é ajudar a pessoa a viver uma vida valorosa e uma vida que ela acha que vale a pena ser vivida, que não fique presa a uma pessoa psicoterapeuta ou dependente de atendimentos específicos para lidar com todas as questões que aparecerem em sua vida, até porque o tempo de sessão é limitado e a vida continua acontecendo. Isso não significa que caso necessário a psicoterapia não possa ser retomada para ajudar em novas questões ou oferecer um acolhimento quando necessário, em situações novas que a vida pode proporcionar.