Tempo de Leitura: 4 minutos

Acho que um dos maiores erros que nossa cultura produziu foi nos fazer acreditar que estar deprimido é o mesmo que estar triste. E não me entenda mal, uma das formas que a depressão aparece realmente é uma forma de tristeza profunda e melancólica. Mas está longe de ser o jeito mais comum. Se eu tivesse que definir o que é estar deprimido, seria uma completa falta de energia.

Pergunte para qualquer deprimido se ele entende que comer é importante e a resposta será sim. Se tomar banho é importante e a resposta também será sim. Se ver os amigos e os familiares é importante. Sim também. Um deprimido é capaz de reconhecer que aquilo que nos faz bem realmente nos faz bem. Mas esse tipo de pergunta é a pergunta errada.

Foto de Fernando @cferdophotography na Unsplash
Foto de Fernando @cferdophotography na Unsplash

Agora questione alguém deprimido se ele tem energia para fazer qualquer uma dessas coisas ou outras ainda mais simples e a resposta será um contínuo, chato, monótono, apático, e desmotivante não. E isso não faz sentido para a maioria das pessoas. Afinal, se a pessoa respira e acorda por que ela não conseguiria levantar da cama, certo? E é aqui que as coisas ficam mais complexas. Não é sobre falta de energia para se mover no começo. É sobre uma dificuldade de iniciar qualquer coisa.

Imagine o seguinte cenário: Você está exausto por uma rotina de sono desregulado, refeições mal feitas e um sedentarismo digno de fazer um bicho preguiça rir de você. E ao longo dos dias parece que sair da cama é cada vez mais difícil. Até que chega o dia que só o pensamento de ter que sair da cama parece pesado, difícil, e até impossível. Agora além de um corpo já sofrido seu pensamento também já te convence de que é melhor nem tentar.

Para a pessoa que está com a saúde mental relativamente em dia isso pode parecer um exagero, mas isso não é tudo. Adicione em cima dessa falta de energia a completa ausência de tudo que há de bom. As coisas não tem mais um gosto interessante. As relações parecem sem graça. Os filmes e séries que a pessoa gostava passaram a ser tediosos e chatos. Note que eu não disse que a pessoa odeia essas coisas. As coisas passam a ser nulas, apáticas, indiferentes, sem valor algum.

Pronto. A fórmula perfeita para destruir a motivação humana. Fazer qualquer coisa é difícil e mesmo quando faz, elas não representam nada. Não fazem sentir nada. Nem raiva. Nem ódio. Nada. Nem alegria. Nem satisfação. Nada. Um grande, longo, infinito e inescapável sentimento de nada.

E depois de um tempo não conseguindo fazer nada e sentir nada que eventualmente o deprimido chegue à conclusão de que vale qualquer coisa para interromper esse ciclo. É por isso que procurar ajuda é importante. Não é sobre força de vontade. É sobre precisar de ajuda vinda de fora para interromper o ciclo. É sobre ser “contaminado” novamente com emoções, ações, cuidado dos outros. Porque quando o solo seca a gente tem que adubar ele de novo.

Quem já mexeu com esterco sabe o cheiro forte e de embrulhar o estômago que ele tem. Mas sentir nojo já é sentir algo. E sentir algo é melhor que não sentir nada. Você tá lá adubando o solo e percebe que o material orgânico está quente de fresco. Dá um arrepio só de pensar, né? Uma vida com arrepios é melhor que uma sem. Aí você coça seu rosto com a mão suja e bate um desespero. Dá uma risada nervosa. Uma vida com risadas nervosas é melhor que uma sem. Seu amigo tira uma foto sua com a cara suja de excremento de vaca e vocês dão risadas juntos da sua desgraça. Uma vida onde a gente compartilha as desgraças é uma vida mais fácil de ser vivida.

Às vezes a gente só precisa de ajuda para sair da merda. Ou mexer nela. Psicoterapia é sobre mexer nela.