Muitos de nós tem pessoas da família que são bem intencionadas e se preocupam quando alguém está doente. Essas pessoas sempre oferecem um remedinho caseiro que supostamente funciona melhor do que remédios testados vendidos na farmácia.
Frequentemente esse remédio caseiro traz algum alívio de maneira imediata. Seja porque os ingredientes, a forma de preparo ou como é servido tem a intenção de produzir esse resultado. Isso faz com que a pessoa ignore os sintomas que estava tendo e mesmo que eles retornem depois de um tempo após tomar esse remedinho caseiro.
Mas será que esses remédios caseiros que vêm acompanhados de frases como “não custa tentar” ou “se não funcionar, mal não vai fazer” realmente são tão inofensivos como dizem?
O real risco dos tratamentos iatrogênicos
Quando falamos de tratamento em qualquer área da saúde precisamos entender o que está sendo tratado. Por exemplo, o xarope caseiro para tosse, ou outro remédio que é supostamente natural e não faz mal, normalmente desvia o tratamento adequado e a avaliação precisa sobre o que está acontecendo.
Isso pode levar pessoas a um estado grave, como um caso de pneumonia não tratada corretamente e que gerou complicações futuras. Os sintomas podem ter amenizado, entretanto, ficaram presentes por alguns meses até se desenvolver uma situação de difícil tratamento.
Quando falamos em iatrogenia, significa não tratar um problema de saúde de maneira adequada, que vai gerar custos e impossibilidade de tratamento adequado, colocando a pessoa em sofrimento por um período além do comum.
Então iatrogenia é uma prática intencionada a fazer mal?
Não! Muitas vezes o tratamento oferecido para as pessoas que sofrem com prática iatrogênica é o padrão ouro de tratamento para uma demanda específica, entretanto, o diagnóstico errado ou uma má prática na execução da estratégia, podem trazer resultados negativos.
Exemplo da bailarina Júlia Lima que faleceu em 2015 no Hospital Albert Einstein. O próprio hospital foi transparente sobre o que aconteceu e dedicou um programa com seu nome que visa combater erros de conduta. Os pais da Júlia frequentam o hospital e discutem questões relevantes com profissionais responsáveis sobre condutas adequadas para que situações parecidas não ocorram.
Um exemplo claro de iatrogenia em psicoterapia
Pensando na prática em psicoterapia, quando oferecemos um tratamento que não é adequado, mesmo ele sendo o padrão ouro de aplicação, isso pode trazer danos a longo prazo, como passar mais tempo do que deveria em psicoterapia, tratar uma questão simples de forma complexa, o que pode fazer a psicoterapia ser aversiva e ter desfechos negativos na vida da pessoa.
Vamos supor que eu chego para uma consulta e quem me atende é um homem com idade igual à do meu pai.
oincidentemente esse psicólogo tem um filho com a mesma idade que eu, algo que ele não me fala por não ser relevante para a minha psicoterapia. Esse profissional começa a ver semelhanças entre eu e o filho e começa a se esforçar muito no meu atendimento, porém, a demanda que eu trago para psicoterapia não entra no grau de complexidade que esse terapeuta está imaginando. Esse psicoterapeuta começa a criar vieses sobre como a psicoterapia está funcionando e com a maior boa intenção tenta aplicar estratégias complexas demais para a demanda que eu trouxe, mesmo sendo técnicas em que muitos estudos mostram que é extremamente eficaz e pode trazer alguns tipos de resultado.
O que você acha que vai acontecer na psicoterapia? Nessa minha criação imaginei dois caminhos possíveis: desistir e sair com uma visão negativa de como a psicoterapia funciona; ou abrir questões que não necessitavam de tanta atenção e foram criadas por conta da insistência do psicoterapeuta.
Uma forma de você saber se o tratamento que você está recebendo é iatrogênico pode ser a pressão para falar aquilo que quem está te tratando quer ouvir, mesmo você sentindo que está piorando ou não está saindo do lugar.
Por isso, um dos meus primeiros textos fala sobre objetivos em psicoterapia, para destacar a importância de oferecer um tratamento claro e que traga previsibilidade em relação às expectativas sobre o tempo de terapia esperado para o quadro que está sendo tratado.
Um dos maiores riscos para entrar em um tratamento iatrogênico é a sessão ficar à deriva.
Resumindo: iatrogenia é extremamente perigosa
Os tratamentos iatrogênicos nem sempre são praticados por pessoas que têm más intenções. Muitos podem promover determinados tratamentos ou formas de trabalho realmente acreditando nos seus supostos benefícios, ou às vezes acontece após o profissional chegar em uma conclusão de diagnóstico e atuar de maneira equivocada no tratamento, mesmo que use os melhores métodos disponíveis.
Existem sinais que a gente pode reparar se o tratamento pode estar sendo iatrogênico e a comunicação através de feedback é extremamente necessária para prevenir tal prática.
Alguns tratamentos podem ser de longa duração ou demorarem mais do que a expectativa inicial, por complicações e a complexidade do caso que está sendo atendido, por isso é importante feedbacks constantes, para que seja comunicado o que está sendo trabalhado e se está ou não de acordo com o que você sente do que é esperado.
A iatrogenia parte de uma prática bem-intencionada que tem como resultado um desfecho ruim. Por isso ela é tão perigosa e tão discutida no campo da ciência e na discussão sobre prática baseada em evidências.