Tenho certeza que você já assistiu alguma série ou filme que tinha um super psicólogo que fazia super análises como se adivinhasse tudo o que aconteceu na vida de uma pessoa ou em determinada cena de crime. Infelizmente não temos esses poderes mágicos na vida real, de descobrir a vida inteira e as motivações de uma pessoa através de duas ou três perguntas.
Em um local onde trabalhei mais de 50% dos usuários nunca haviam passado com um profissional da Psicologia. Pensando que a sociedade brasileira tem pouco acesso a psicoterapia, então as referências que sobram vem da cultura pop e da espetacularização para dar sentido a uma história que está sendo contada, o que não é necessariamente um problema pensando que é um entretenimento. Mas a ideia do super psicólogo fica forte no nosso imaginário.
Outra forma de imaginar a psicoterapia é através de relatos de alguém que passou com psicóloga, onde é relatado normalmente de maneira superficial, o que nos faz imaginar um padrão de como uma psicóloga é e como ela deve agir.
Vou trazer nesse texto uma breve explicação de como a psicóloga age dentro de um consultório ao analisar um caso e como ela faz em suas interpretações.
Um local livre de julgamentos morais
A primeira coisa que o ambiente psicoterapêutico precisa ser: um local em que a pessoa possa expressar livremente o que está sentindo e pensando, sem ter alguém julgando o que está sendo falado. Quando eu falo sobre o julgamento moral é o ato de uma pessoa colocar a sua experiência e percepções na vida de outra pessoa, o que é inadequado e um ato de invalidação do conteúdo comunicado.
Um ambiente terapêutico sem julgamentos morais é a base para que algo consiga ser trabalhado, sendo extremamente importante que a pessoa que está passando pela psicoterapia fale os conteúdos relevantes para ela e consiga receber a ajuda necessária.
Sendo estabelecido que não haverá julgamentos morais, a psicoterapia visa colher informações e conversar com a pessoa para entender os significados dessas informações, além dos confrontos para lidar com uma determinada situação. Esses confrontos dos conteúdos trazidos em psicoterapia focam em a pessoa que está passando pelo processo julgar o que foi falado com as próprias experiências dela, sendo a psicoterapeuta uma facilitadora desse processo.
A psicóloga é totalmente neutra?
Durante a faculdade existia esse discurso com muita força. Olhando colegas formados ou olhando em retrospectiva as falas dos professores que tinham esse discurso, quem mais apresentou essa fala sobre neutralidade, era quem mais julgava pacientes da clínica escola, além de ter fortes julgamentos morais sobre determinados colegas.
Vou falar algo que talvez você não acredite: a psicóloga também é um ser humano!
Somos compostos por experiências e vivemos em um mundo assim como a pessoa que está na psicoterapia, lidamos com os problemas do nosso dia a dia e tratamos eles de maneira adequada, assim como somos falhos como qualquer outra pessoa. Então é impossível a gente ser totalmente neutro.
Para lidar com essa situação, primeiro precisamos assumir que podemos ser influenciados a emitir ou a interpretar algumas situações com base nas nossas experiências, sejam elas pessoais ou profissionais. Entendendo isso, precisamos passar por supervisão e conversas frequentes com outros colegas da área para avaliar a nossa atuação dentro do processo psicoterapêutico no cuidado da outra pessoa.
Outro fator que ajuda a nossa condução é o fato de seguirmos as nossas abordagens para atuar com a psicoterapia, seguindo materiais teóricos que vão ajudar na intervenção.
Após tomar todos esses cuidados, conseguimos absorver os conteúdos falados pela pessoa que está em psicoterapia e organizá-los de maneira adequada para pensar na melhor intervenção possível, fazendo a pessoa confrontar esses conteúdos olhando de uma forma não julgadora e não sendo induzido pela experiência da psicoterapeuta.
Mas como organizar tantos dados sem julgá-los?
Normalmente usamos um material feito para formulação de caso, que nada mais é do que organizar as informações faladas em um formato em que consigamos olhar o processo da pessoa como um todo sem fazer inferências sobre o conteúdo trazido, além de organizar os principais sinais de perigo que essa pessoa pode estar passando.
Dessa forma, respeitamos a subjetividade da pessoa que está comunicando e pedindo ajuda, ao mesmo tempo que não criamos inferências, julgamentos ou mesmo uma mística nos conteúdos que são trazidos.
Isso também ajuda a não invalidar os conteúdos que são falados pela pessoa que está na psicoterapia, o que quebra muito daquela interpretação que a gente encontra em produtos da cultura pop, em que uma pessoa fala que tem um problema determinado e a psicoterapeuta houve e dá uma resposta mirabolante. Como eu falei, isso para o entretenimento não é problemático, mas trazer isso para a vida real que vai gerar um impacto na vida de uma pessoa é extremamente perigoso.
A análise de psicologia é sem graça, e precisa ser.
Sei que algumas pessoas têm a expectativa de chegar na psicoterapia e receber uma resposta super mirabolante sobre algum conteúdo do passado e que ela nunca havia pensado. Por isso muitas figuras que usam do marketing têm ganhado tanto espaço por oferecerem produtos como “revelarei que um conteúdo que está reprimido no inconsciente vai vir à tona e vai ressignificar toda a sua vida. Você finalmente terá uma resposta rápida sobre quem você é”. Quando falamos em Psicologia, não trabalhamos com essa espetacularização.
Podemos em algum momento achar respostas profundas e impactantes, mesmo a psicoterapia não sendo um processo muitas vezes agradável ou confortável, a nossa forma de atuar busca trazer segurança e bem-estar, além de estar embasado teorias estudadas por anos e revisadas frequentemente.
Análise em Psicologia não é uma montanha-russa de emoções provocadas para gerar entretenimento, mesmo porque o processo em psicoterapia já é forte o suficiente para provocar muitas emoções e sentimentos.
Por isso todas as informações dadas durante o processo de psicoterapia são analisadas junto com a pessoa que está no processo, ao invés de deter um papel como um guru falando e desvendando coisas da vida alheia com base em achismos e espetacularização.